Dubitando, ad veritatem parvenimus... aliquando! Duvidando, chegamos à verdade... às vezes!
 
Questões pertinentes

  1. A descrição que Flávio Josefo faz do templo é diferente da descrição feita pela Mishnáh. Qual delas é que está (mais) certa?
  2. Qual é a relação entre a «Pedra Fundamental» e a localização do templo?
  3. Quanto valem os côvados referidos por Flávio Josefo?
  4. Como era o templo na época de Jesus?

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1

Flávio Josefo foi sacerdote do templo de Jerusalém, no século I. A sua descrição é, portanto, de uma testemunha ocular qualificada. Na falta de melhores dados, a descrição dele é que é válida para o templo herodiano, destruído no ano 70 d. C. Por sua vez, a Mishnáh só foi escrita a partir do fim do século II, demasiadamente tarde. Como provamos AQUI, não existem dúvidas de que a Mishnáh tenta, lendariamente, descrever o templo anterior à remodelação de Herodes. Se assim é, mais lendária é a sua descrição, por ter sido redigida mais de 200 anos depois. É, portanto, evidente que a Mishnáh não descreve o templo de Jerusalém do tempo de Jesus. Contudo, a Mishnáh (parte mais antiga do Talmude) é o segundo «livro» mais sagrado dos Judeus, a seguir ao Tanakh (Antigo Testamento). O que ela refere vale mais pelo que pretendem fazer, nomeadamente a reconstrução do templo, do que pelo valor histórico.

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2

Há várias teorias, que nos dispensamos de referir, sobre a relação entre a «Pedra Fundamental» (situada por baixo da Cúpula da Rocha ou Domo da Rocha) e a localização do templo. Não querendo entrar em suscetibilidades de Judeus e de Muçulmanos, só nos interessa a busca da objetividade, dentro dos dados disponíveis.

a) A teoria da localização do Santo dos Santos sobre a referida rocha é impossível de conciliar com a descrição de Flávio Josefo, por falta de espaço a oriente, apesar da grande dimensão da plataforma do átrio exterior.

b) A rocha em questão não é referida na Bíblia nem nas obras escritas enquanto o templo existia. Só começa a ser referida muitas décadas depois da destruição deste. Com frequência, em torno de uma rocha, formam-se lendas e tradições. A despeito de qualquer teoria sobre a forma e as cavidades dessa rocha, a Bíblia diz que, «no interior do templo [de Salomão] […], tudo era de cedro, e não se via pedra alguma» (1Rs 6, 18). A Mishnáh refere: «Depois que a Arca [da Aliança] foi levada para o exílio, havia uma pedra no Santo dos Santos, dos dias dos antigos profetas David e Samuel, que lançaram as bases para a construção do templo. E essa pedra foi chamada de 'pedra fundamental'. Era 3 dedos mais alta que o chão, e o sumo sacerdote colocava o incenso nela.» (Yoma, 5) Esta tradição dá a entender que, no chão do Santos dos Santos do segundo templo, em vez da desaparecida Arca da Aliança, foi colocada uma lápide antiga, de 3 dedos de altura. Porém, Flávio Josefo diz que não se encontrava absolutamente nada no Santo dos Santos (B. J. V, 5).

c) Antes da construção do templo de Salomão e antes da sua reconstrução no regresso do exílio, é referida a construção de um altar. Primeiramente, foi construído um altar, só mais tarde é que foi construído o templo (2 Sm 24, 18-25; 2 Cr 21, 18-22,1; Esd 3).

d) A colina de Moriá, onde foi construído o templo, é identificada como o local onde Abraão construiu um altar para sacrificar o seu filho Isaac (Gn 22, 1-19; 2 Cr 3, 1).

Concluímos que, se existe alguma relação entre a «Pedra Fundamental» e a localização do templo, esta só poderia indicar o local do altar e não do Santo dos Santos.

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3

Flávio Josefo, escrevendo para Romanos, referir-se-ia a medidas romanas conhecidas dos seus leitores. Caso contrário, teria de explicar a que medidas se referia. Um exemplo disso é a referência a medidas em pés na descrição do Pórtico Régio (Ver), que só combinam com côvados romanos (1 côvado = 1,5 pés). Outro exemplo é o das medidas fornecidas em côvados para as torres de Jerusalém (Ver), mais tarde complementadas com medidas em pés por Públio Cornélio Tácito (Ver).

É dito em 2 Cr 3, 3 que o templo de Salomão foi edificado de acordo com o côvado «segundo a medida antiga», ou seja, de acordo com um côvado fora de moda no momento em que o texto foi escrito. Como na Antiguidade havia vários côvados, resta saber que côvados são referidos aqui. Na descrição do «templo futuro» de Ezequiel (que não foi construído) a medição é feita em «côvados equivalentes a um côvado e um palmo» (Ez 40, 5), pelo que supomos que se trate do côvado filitariano ou côvado real, de 0,525 m. A descoberta de vestígios da plataforma quadrada de 861 pés ou 262,43 metros de lado (= 500 côvados de 0,525 m), pertencente ao templo anterior ao de Herodes (Ez 42, 15-20; Mid 2, 1) (com uma ampliação a sul feita pelos Asmoneus (1Mc 4, 60; A. J. Liv. XIII, 6, 7)), parece confirmar esse valor. (1) Na época do segundo templo e da sua remodelação herodiana, o côvado já não tinha o mesmo valor do côvado usado no primeiro templo. Admitimos, portanto, que a nova medida fosse o côvado romano (= 0,4445 m) (2). Depois do exílio, a referida plataforma de 500 côvados antigos de lado poderia ter sido o que restara do templo de Salomão, e a restauração dos edifícios nela construídos já seria feita de acordo com o novo côvado. Por outro lado, as obras herodianas fizeram que a plataforma anterior ficasse enterrada e deixasse de contar, e, de acordo com F. Josefo, mesmo os fundamentos do novo templo propriamente dito («naós») acabaram por ficar parcialmente enterrados. Em todo o caso, os 262,43 m de lado dessa plataforma podem ser entendidos como sendo 591 côvados romanos.

(1) Outro valor proposto: um côvado = 0,4281 m, na época do primeiro templo.

(2) Embora pudesse ser usado um côvado especial de 0,4376 m no templo. Nesse caso, 262,43 m são quase 600 côvados.

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4

Herodes mandou derrubar o templo de Zorobabel (o templo pós-exílico), lançar novos fundamentos do templo propriamente dito e duplicar os 2 átrios em torno. Assim aconteceu no 15.º ano (B. J. I, XXI, 1) ou no 18.º ano (A. J. XV, XI, 1) do seu reinado. A segunda hipótese é mais credível, equivalendo a 20-19 a. C., o que permite situar a 1.ª expulsão dos vendilhões no ano 28 d. C., 46 anos depois (Jo 2, 20). Segundo Flávio Josefo, a construção do templo propriamente dito durou um ano e meio (A. J. XV, XI, 6); contudo, a construção do átrio interior durou 8 anos (A. J. XV, XI, 5). Não sabemos se esses 8 anos compreendem ou não o ano e meio da construção do templo. Certo é que as obras do átrio exterior se prolongaram por longos anos, só ficando terminadas por volta de 64 d. C. (A. J. XX, IX, 7), na época do imperador Nero e do rei Herodes Agripa II, ao fim de mais de 80 anos. Beleza de pouca duração, foi totalmente destruído no ano 70 d. C.

A vida de Jesus (de 7-6 a. C. a 30 d. C.) decorreu durante as obras do átrio exterior do templo, o Átrio dos Gentios. No início da vida pública de Jesus, o templo já estava em construção há 46 anos (Jo 2, 20). O chão do átrio exterior, em vez de já estar pavimentado «com pedras diversas, em várias cores» (B. J. V, V, 2), ainda tinha pedras disponíveis para apedrejarem Jesus (Jo 10, 21-33). Não sabemos exatamente que obras estariam concluídas, mas o chamado Pórtico de Salomão (Jo 10, 22-23; At 3, 11), o pórtico do lado oriental, estava disponível para ser usado. Tudo indica que, nas obras do átrio exterior, tivessem sido prioritários os 2 lados menos protegidos: a oriente (o Pórtico de Salomão) e a norte. Os outros 2 lados, a sul (o Pórtico Régio) e a ocidente, assim como a pavimentação do átrio exterior, seriam as últimas obras a serem concluídas.

Não há motivos para supor que Jesus estivesse fisicamente no ângulo sudeste da plataforma do templo, o suposto «pináculo do templo» (Mt 4, 5-7; Lc 4, 9-12) cuja construção estaria muito longe de estar concluída (ou iniciada), nem para localizar no Pórtico Régio a expulsão dos vendilhões (Mt 21, 10-17; Mc 11, 15-19; Lc 19, 45-48; Jo 2, 13-25). O Pórtico Régio, por ser diferente dos 3 restantes pórticos, teria sido o resultado de uma ideia posterior. Os vestígios que alguns identificam como sendo de uma porta dupla e de uma escadaria dando acesso ao lado oriental (por baixo) do Pórtico Régio podem ser o resultado de hesitações e de «uso secundário» de materiais, supomos, por falta de referência nos textos antigos. Estando, contudo, o Pórtico de Salomão em funcionamento, Jesus poderia ter entrado e saído várias vezes por baixo deste, pela atualmente chamada «Porta Dourada». Além da referência à presença de Jesus no Pórtico de Salomão, localizamos no Átrio das Mulheres a apresentação no templo (Lc 2, 22-38), frente à Porta Coríntia, e o óbolo da viúva (Mc 12, 41-44; Lc 21, 1-4). Em alguma parte do átrio interior, localizamos uma discussão entre Jesus e os Fariseus (Jo 8, 20), possivelmente no Átrio das Mulheres, por estar na sequência da perícope da mulher adúltera (Jo 8, 1-11). A anunciação a Zacarias (Lc 1, 5-25) localiza-se dentro do templo, no Santo, junto ao altar de perfumes, frente à cortina interior. Existem dúvidas acerca da identificação da Porta Bela (ou Formosa) (At 3, 1-10) (1). O Pórtico de Salomão também é o lugar onde o povo se juntou a Pedro e João, depois da cura do paralítico (At 3, 11-26), até estes serem presos (At 4, 1-22), e onde os primeiros cristãos de Jerusalém se reuniam (At 5, 12). Na fortaleza Antónia, Paulo foi preso, subindo os respetivos degraus, do cimo dos quais falou ao povo que o queria linchar (At 21, 27-22,1-30) (2). Em relação a outras passagens do Novo Testamento, localizadas no templo, não temos elementos que nos permitam localizá-las lá com exatidão.

(1) A porta que melhor se adapta ao nome Porta Bela (ou Porta Formosa) seria a Porta Coríntia, situada entre o Átrio das Mulheres e o Átrio de Israel. Todavia, os mendigos que pedem esmola à entrada de lugares de culto costumam ficar junto da porta principal, por onde passa o maior número possível de pessoas, o que não parece ser o caso da Porta Coríntia.

(2) Entende-se que os fanáticos que queriam linchar Paulo estavam no átrio exterior do templo, entre o átrio interior, cujas portas fecharam (At 21, 30), e a fortaleza Antónia. O lugar onde eles se encontravam ainda não estaria pavimentado, como se depreende da afirmação de que, depois de o ouvirem falar de cima dos degraus por onde se subia para a fortaleza, atiravam poeira ao ar (At 22, 23).

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