Dubitando, ad veritatem parvenimus... aliquando! Duvidando, chegamos à verdade... às vezes!
 
Perguntas sobre o nascimento de Jesus (1)

I

Durante gerações, o dia 25 de dezembro tem passado por ser o dia de aniversário de Jesus. A imaginação do povo, desejosa de satisfazer a curiosidade que os textos bíblicos não satisfazem, chega mesmo a afirmar que Jesus nasceu à meia-noite do dia 24 para o dia 25 de dezembro, numa noite fria, com muita neve a cair, de tal maneira que o Menino Jesus teve de ser aquecido pelo bafejar de uma vaca e de um burro. Teria sido assim?

O que podemos dizer sobre o nascimento de Jesus em nada nos permite fazer tais afirmações. Naquela época, não havia «registo civil» obrigatório para todas as pessoas, como nos nossos dias, e, além disso, as datas não eram estabelecidas de forma rigorosa, como atualmente. Deste modo, os elementos que, de algum modo, nos permitem saber algo sobre a época do nascimento de Jesus são os seguintes:

  • a) Jesus nasceu durante os reinados de César Augusto e de Herodes «Magno», durante um recenseamento feito enquanto Quirino era governador da Síria.
  • b) Havia pastores acampados, que guardavam os seus rebanhos durante a noite.
  • c) Em Belém, o Menino Jesus foi visitado por uns Magos, guiados por um astro, uma «estrela» diferente de todas as outras, que lhes tinha aparecido 2 anos antes.
  • d) Jesus iniciou o seu ministério público no «décimo quinto ano do império de Tibério César» (28 - 29 d. C.), «tendo [qualquer coisa] como trinta anos».
  • e) O anjo Gabriel apareceu a Zacarias, «da classe de Abias» (Lc 1, 5), «estando ele a exercer o sacerdócio perante Deus, na ordem da sua classe, segundo o costume do sacerdócio» (Lc 1, 8). «Terminados os dias do seu ministério, [Zacarias] voltou para sua casa. Depois destes dias, porém, Isabel, sua mulher, concebeu» (Lc 1, 23-24). O anjo Gabriel fez a anunciação a Maria, quando Isabel estava «no sexto mês» (Lc 1, 26).

a) Octaviano César Augusto foi imperador de 30 a. C. a 14 d. C.. Herodes «Magno» foi «rei» aliado dos Romanos, de 37 a. C. a 4 a. C. Morreu em fins de março ou princípios de abril de 4 a. C. Por conseguinte, a data donascimento de Jesus tem de ser situada antes do ano 4 a. C.

Sulpício Quirino foi legado da Síria no ano 6 d. C., e fez o inventário dos bens de Arquelau (herdeiro de Herodes), mas não podemos situar nesta data o nascimento de Jesus. Por outro lado, sabemos que também desempenhou aí uma missão militar, entre 12 e 6 a. C., e, sob as suas ordens, foi feito um recenseamento, mas a data deste é desconhecida. Por conseguinte, a data do nascimento de Jesus deve situar-se em 7 a. C. ou em 6 a. C., i. e. 7 ou 6 anos antes da nossa era!

b) Kai poimenes êsan en tê khôra tê autê, agraulountes kai phulassontes phulakas tês nuktos epi tên poimnên autôn. — Et pastores erant in regione eadem in agro vigilantes et custodientes vigilias noctis supra gregem suum. — E estavam, naquela mesma região, pastores acampados e guardando as vigílias da noite sobre o seu rebanho. [Lc 2,8].

Ora o Talmud (livro sagrado dos Judeus, escrito a partir do séc. II d. C. e que consiste num condensado de tradições judaicas) diz-nos que, naqueles lugares, os rebanhos saíam para os campos em março e recolhiam nos princípios de novembro. Deste modo, em dezembro já não estavam nos campos, porque, nessa época, em Belém, que se situa entre 770 e 820 m de altitude, reina a geada. E assim, dezembro não é o mês mais provável do nascimento de Jesus. E se, frequentemente, o Talmud contradiz escritos do séc. I (não devendo merecer credibilidade histórica), é certo que não temos nenhuma informação mais credível que contrarie esta, tanto mais que as tradições dos pastores são difíceis de alterar... ainda hoje.

c) Não sabemos como era o astro conhecido como «estrela de Belém». É representado, nos presépios, como um cometa de Halley. Mas, se o pudermos identificar com a «estrela» de Kepler, então tratar-se-ia de uma conjunção de Júpiter e de Saturno na constelação de Peixes, fenómeno que é visível de 794 anos em 794 anos, e que foi visível, no Médio Oriente, no ano 7 a. C., por 3 vezes: a 29 de maio, a 1 de outubro e a 5 de dezembro, sendo o grande acontecimento astronómico daquele ano.

Julgavam os astrólogos judeus que o Messias viria durante uma conjunção de Júpiter e de Saturno na constelação de Peixes, tendo em conta que, na interpretação astrológica babilónica, o planeta Júpiter era considerado o astro da realeza; o planeta saturno, o astro da terra de Israel; e a constelação de Peixes o sinal do fim dos tempos e do Messias.

Se admitirmos que seria esta a «estrela de Belém», então o ano do nascimento de Jesus seria o ano 7 a. C. E assim, Jesus teria sido visitado pelos Magos a 5 de dezembro desse ano, na data em que a «estrela» de Kepler foi vista pela 3.ª vez, já que, desta última vez, foi vista na direção do sul, e Belém fica a sul de Jerusalém. Kai idou o astêr on eidon en tê anatolê proêgen autous, eôs elthôn estathê epanô ou ên to paidion. — Et ecce stella, quam viderant in oriente, antecedebat eos, usque dum veniens staret supra, ubi erat puer. — E eis que a estrela que tinham visto no Oriente antecedia-os, até que, chegando, parou sobre o lugar onde estava o menino [Mt 2,9]. Quer dizer que os Magos viram a estrela no Oriente e que só voltaram a vê-la quando estavam a caminho de Jerusalém para Belém.

Teria Jesus nascido no dia 29 de maio do ano 7 a. C., quando a «estrela» de Kepler foi vista pela primeira vez, quando reinavam Augusto e Herodes, quando Quirino desempenhava uma missão militar na Síria e mandava fazer um recenseamento, e quando os pastores passavam a noite nos campos com os seus rebanhos??

O problema, de facto, não fica resolvido desta forma. Vejamos: Tote Êrôdês, lathra kalesas tous Magous, êkribôsen par autôn ton khronon tou phainomenou asteros. — Tunc Herodes, clam vocatis Magis, diligenter didicit ab eis tempus ortus stellae. — Então Herodes, chamando secretamente os Magos, inquiriu diligentemente deles o tempo do aparecimento da estrela [Mt 2,7].

Tote Êrôdês, idôn oti enepaikhthê upo tôn Magôn, ethumôthê lian, kai aposteilas aneilen pantas tous paidas tous en Bêthleem kai en pasi tois oriois autês apo dietous kai katôterô, kata ton khronon on êkribôsen para tôn Magôn. — Tunc Herodes videns quia illusus esset a Magis, iratus est valde et mittens occidit omnes pueros, qui erant in Bethlehem et in omnibus finibus eius, a bimatu et infra, secundum tempus quod exquisierat a Magis. — Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se grandemente e, enviando, matou todos os meninos de dois anos para baixo, que havia em Belém e em todos os seus arredores, segundo o tempo que inquirira dos Magos [Mt 2, 16].

Depreende-se, pois, que a estrela tinha aparecido, a primeira vez, 2 anos antes da visita dos Magos. Não se diz, contudo, se ela apareceu durante o nascimento de Jesus, embora fosse essa a conclusão a que Herodes chegou. Não há, portanto, conciliação com as datas do aparecimento da «estrela» de Kepler! A «estrela de Belém» seria mesmo um fenómeno natural? Não seria, antes, um astro miraculosamente criado para guiar os Magos?

d) Kai autos ên Iêsous arkhomenos ôsei etôn triakonta... — Et ipse erat Iesus incipiens quasi annorum triginta... — E o próprio Jesus era, ao começar [o seu ministério], de cerca de trinta anos... [Lc 3,23].

Os cerca de trinta anos que Jesus tinha, quando iniciou o seu ministério público, só podem ser entendidos como uma aproximação, pois temos de admitir que tinha mais. Mas foram estes trinta anos, sem ter em conta o que aqui deixámos exposto, que levaram ao cálculo da «era cristã», que foi fixada por Dionísio, o Exíguo, no séc. VI.

Antes disso, era tradição dos Padres da Igreja que Jesus tinha nascido em 3 ou 2 a. C.. Por sua vez, a Harmonia de Amónio (Séc. II ou III?) diz que Jesus esteve «sete anos no Egito, até que Herodes morreu», o que é um exagero. A ser assim, teríamos de situar o nascimento de Jesus pelo ano 13 a. C.! (= 2 anos entre o nascimento de Jesus e a vinda dos Magos + 7 anos no Egito, até que Herodes morreu + o ano 4 a. C. da morte de Herodes).

Acrescente-se que um papiro egípcio do século IV ou V dá a entender que Jesus esteve no Egito 3 anos e 11 meses. Estabelecendo o ano 4 a. C. como o da morte de Herodes e do regresso do Egito; somando estes 3 anos e 11 meses e os 2 anos do tempo do aparecimento da estrela, resta situar o nascimento de Jesus em 9 ou 10 a. C.!

Não devemos dar credibilidade histórica a esse papiro, por ser demasiadamente tardio. Talvez Jesus estivesse no Egito muito menos tempo e, assim, a data do Seu nascimento pode situar-se em 6 ou 7 a. C., por outro motivo:

Conta Ambrósio Teodósio Macróbio, por volta do ano 385, o seguinte: Como ouvisse que entre os meninos que, até aos dois anos, na Síria, Herodes, rei dos Judeus, também mandou matar, realmente, o seu filho, [Augusto] disse: «Eu preferia ser porco de Herodes do que [seu] filho!» [Saturnalia, II, 4, 11]. Refira-se que Herodes mandou matar dois dos seus próprios filhos, Alexandre e Aristóbulo, no inverno de 7-6 a. C., e o seu filho mais velho e seu herdeiro, Antípater, em março de 4 a. C.. Todos eles tinham mais de dois anos de idade. Conciliando estes dados, podemos situar a matança dos meninos de Belém e do filho mais velho de Herodes, que devia ser o seu sucessor como rei dos Judeus, no início do ano 4 a. C. A visita dos Magos foi imediatamente antes, porque não em 6 de janeiro de 4 a. C.? Contando os 2 anos do tempo do aparecimento da estrela, podemos situar o nascimento de Jesus em 6 ou 7 a. C. Só falta aceitar que Jesus estivesse no Egito pouquíssimos meses ou algumas semanas.

e) De acordo com o calendário solar encontrado em Qumran, das vinte e quatro classes sacerdotais, a oitava, a de Abias, de que Zacarias fazia parte, oficiava entre os dias 8-14 do terceiro mês e 24-30 do oitavo mês. A última data corresponde a finais de setembro. A Anunciação comemora-se no dia 25 de março, cerca de seis meses depois («no sexto mês» da gravidez de Isabel), e o nascimento de João Batista comemora-se no dia 24 de junho, cerca de nove meses depois. O nascimento de Jesus comemora-se no dia 25 de dezembro, nove meses depois de 25 de março.

Para aceitar o dia 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus, temos, consequentemente, de aceitar que os pastores estavam nos campos no inverno. Poderiam estar lá naquela data por motivos que desconhecemos.

Jesus nasceu num dia 25 de dezembro?

Esta data é referida, como dia de Natal, pela 1.ª vez, no calendário filocaliano do ano 354: «Em 25 de dezembro nasceu Cristo em Belém da Judeia» (MGH, IX, I, 13-196). Já no ano 221, há uma referência indireta, por Sexto Júlio Africano, de que o dia 25 de dezembro é a data do nascimento de Jesus.

O dia 25 de dezembro era, em Roma, uma época de festejos do dies natalis Solis invicti (o dia do nascimento do Sol não vencido), uma festa pagã que os cristãos aproveitaram para nela comemorarem o nascimento de Jesus, o «Sol» não vencido, já que, nesse dia, podiam sentir-se mais seguros de não serem perseguidos, enquanto os pagãos estavam ocupados nos excessos festivos. Se coincide com a data histórica do nascimento de Jesus, não temos a certeza.

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